RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NA
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PARA A INFÂNCIA [1]
Celi Espasandin Lopes
Regina Célia Grando
Resumo: A Educação Infantil têm
enfrentado, ao longo da última década, desafios pelo reconhecimento de sua
função pedagógica e dúvidas em relação à elaboração de um currículo, ao mesmo
tempo em que apresenta maior clareza frente aos objetivos referentes à formação
infantil, quanto à aquisição de capacidades e competências de caráter
comunicativo, expressivo, lógico e operativo e o desenvolvimento dos aspectos
cognitivos, afetivos, sociais e morais. Uma tarefa importante para a primeira
infância é criar um ambiente democrático e crítico, capaz de celebrar uma
multiplicidade de perspectivas, uma diversidade de conceitos e práticas e a
contestabilidade de todos os conhecimentos e reinvindicações de verdade (MOSS,
2002). Defendemos uma perspectiva curricular e um papel do educador matemático
que promovam uma aprendizagem matemática pela resolução de problemas na
Educação da Infância. As questões curriculares parecem-nos ser um importante
aspecto a se destacar para se discutir a resolução de problemas, já que o
currículo necessita refletir o que acontece na sociedade, de onde,
naturalmente, emergem problemáticas. Nesse texto analisamos o trabalho pedagógico
de uma professora que desenvolve com seus alunos de 4-5 anos, em um ambiente
problematizador e de investigação, a resolução de um problema que envolve
matemática. Por meio do trabalho em grupo, os alunos se tornaram capazes de
participar e comunicar, atendendo às necessidades cognitivas e sociais das
crianças. Cada criança, em níveis individuais e de formas individuais, foi
bem-sucedida dentro da experiência do grupo, evidenciando que a resolução de
problemas capacita as crianças na arte de levantar hipótese, argumentar e
produzir conclusões, mesmo que parciais e que são colocadas à prova no momento
da socialização. O trabalho com a resolução de problemas facilita a
aprendizagem cooperativa e promove diversas ideias, possibilitando às crianças
um processo constante de comunicação e apropriação de distintos procedimentos
matemáticos.
Palavras-chave: Resolução de Problemas; Educação Matemática;
Infância; Currículo
Introdução
Nosso estudo parte da premissa de
que a cultura coletiva própria das crianças é crucial para o crescimento, e
também, é o meio pelo qual grande parte das circunstâncias de suas vidas é
refletida, vivenciada, interpretada (PROUT apud MOSS, 2002).
Ao produzirmos ações educativas
para a educação na infância precisamos considerar a cultura infantil, os
interesses, as curiosidades e as brincadeiras das crianças.
O desenvolvimento infantil
precisa ocorrer em espaços de ensino e aprendizagem decorrentes do modo
dialógico, os quais priorizam o conhecimento, o saber e não a transferência de
conhecimento. Locais nos quais se produza conhecimento socialmente e se crie novas
hipóteses para a leitura de mundo (FREIRE apud MOSS, 2002).
Coerentemente com isso, assumimos
a concepção de cenários de investigação gerada por Skovsmose (2000) o qual
defende um espaço de aprendizagem no qual os alunos possam matematizar, ou
seja, formular, criticar e desenvolver maneiras matemáticas de entender o mundo
(SKOVSMOSE, 2001, p.51).
As crianças estão imersas em um
mundo sócio-cultural em que as pessoas fazem matemática a todo o momento. Elas
observam os adultos nos processos de comprar, vender, trocar, controlam
quantidades avaliando o que aumenta, o que diminui, o que não se altera,
planejam casas e fazem os cálculos dos materiais necessários, estimam
distâncias, tamanho, capacidade, etc. Mesmo as crianças bem pequenas já
experimentam estas experiências com a matemática, manipulando objetos,
colocando um dentro do outro, desenhando, entendendo o tempo (quanto tempo
brincou? quanto tempo vai demorar para um desenho começar, etc.), entendendo
quantidades (quantos anos tem? Qual o maior pedaço de bolo, quem tem mais
balas, etc.). Tais conhecimentos matemáticos que foram produzidos pelo homem e
que o ajudam a fazer uma “leitura matemática de mundo” exercem certo fascínio
nas crianças e estimulam a curiosidade epistemológica delas, aumentando o desejo
por conhecê-los. Curiosidade epistemológica é um termo utilizado por Paulo
Freire e se refere à curiosidade das crianças, jovens, adultos, pelo
conhecimento e como se dá a sua produção.
Nesta perspectiva, defendemos a resolução de
problemas na infância, considerando-a como base da aprendizagem da criança,
pois a criança vai adquirindo inteligência a partir de suas ações intencionais,
... que ainda são incipientes; e que
a fala egocêntrica vai, progressivamente, tornando-se apropriada para planejar
e resolver problemas, à medida que as atividades da criança tornam-se mais
complexas. (VIGOTSKI, 1998, p. 27).
Assim, a resolução de problemas
necessita ser valorizada, promovida, prevista, e sustentada nas salas de aula
da primeira infância. Oportunidades para a resolução de problemas ocorrem no
contexto da vida quotidiana de uma criança. Ao observar a criança de perto, os
professores podem explorar as situações sociais nas quais as crianças estão
inseridas, a capacidade cognitiva da criança, o movimento imaginário e as
experiências emocionais, para facilitar a resolução de problemas e promover
estratégias úteis no processo de aprendizagem ao longo da vida.
A Educação Infantil têm
enfrentado, ao longo da última década, desafios pelo reconhecimento de sua
função pedagógica e dúvidas em relação à elaboração de um currículo, ao mesmo
tempo em que apresenta maior clareza frente aos objetivos referentes à formação
infantil, quanto à aquisição de capacidades e competências de caráter
comunicativo, expressivo, lógico e operativo, e o desenvolvimento dos aspectos
cognitivos, afetivos, sociais e morais. Uma tarefa importante para a primeira
infância é criar um ambiente democrático e crítico, capaz de celebrar uma
multiplicidade de perspectivas, uma diversidade de conceitos e práticas e a
contestabilidade de todos os conhecimentos e reinvindicações de verdade (MOSS,
2002).
Ao vislumbrarmos uma formação
mais significativa e critica precisamos considerar a valorização e
enriquecimento do cotidiano, da cultura infantil. Na perspectiva Vygotskiana, a
cultura forma a inteligência e a brincadeira favorece a criação de situações
imaginárias e reorganiza experiências vividas. Nesse sentido, a aprendizagem
inicia-se a partir de brincadeiras nas quais se aprende a criar significações,
a estabelecer comunicação com o outro, a decodificar regras, a expressar a
linguagem, a tomar decisões e socializar-se.
A partir dessas considerações e
pressupostos defendemos uma perspectiva curricular e um papel do educador
matemático que promovam uma aprendizagem matemática pela resolução de problemas
na Educação da Infância.
Perspectiva curricular
As questões curriculares
parecem-nos ser um importante aspecto a se destacar para se discutir a
resolução de problemas, já que o currículo necessita refletir o que acontece na
sociedade, de onde, naturalmente, emergem problemáticas. As questões culturais
norteadoras da definição de um tema a ser incluído ou excluído de um currículo
nem sempre estão bem clarificadas aos olhos dos professores, que necessitam ser
os agentes do currículo. Essa consideração amplia a responsabilidade dos
professores que precisam atualizar constantemente o currículo que colocam em
ação. Oliveira (2002) destaca que os profissionais da Educação Infantil
necessitam ser competentes em suas tarefas, considerando o momento sócio
histórico de um mundo complexo e contraditório, precisando, para isso, adquirir
uma formação ética e manter suas ações docentes pautadas no processo reflexivo,
que exige investimento emocional, compromisso com o desenvolvimento das
crianças e conhecimento técnico-pedagógico.
Ensinar Matemática na Educação
Infantil significa entender que fazer matemática é expor ideias próprias,
escutar as dos outros, formular e comunicar procedimentos de resolução de
problemas, formular questões, perguntar e problematizar, falar sobre
experiências não realizadas ou que não deram certo, aceitar erros e
analisá-los, buscar dados que faltam para resolver problemas, explorar o espaço
em que ocupa, produzir imagens mentais, produzir e organizar dados, dentre
outras coisas. Os conceitos matemáticos, bem como as suas diferentes formas de
registro (linguagem matemática) não são definidos por fases, ou etapas de
aquisição de linguagem matemática.
Acrescenta-se a isso a ideia de
que um trabalho intencional do professor no sentido de possibilitar a
aprendizagem matemática da criança não pode ser isolado de outras áreas do
conhecimento, bem como definida por etapas e fases. Por exemplo, é muito comum
acreditar que não seja possível trabalhar com o sistema de numeração decimal,
antes que a criança adquira o conceito de número. Assim, prioriza-se uma
quantidade excessiva de atividades de seriação, classificação e ordenação,
esperando que a criança seja capaz de conservar quantidades para então
trabalhar com o conceito de número. Esta é uma visão que fragmenta a aquisição
do conhecimento matemático e define etapas de compreensão do número, primeiro
manipular quantidades até 10, depois até 20, 100, etc. A ideia de número se
constrói em situações sociais e culturais, de intercâmbio entre as crianças, de
necessidades de controlar a variabilidade de quantidades (pontuações num jogo)
ou mesmo de necessidade de registrar as quantidades, ou um número em uma
sequência numérica (por exemplo, até qual número a criança conseguiu pular na
brincadeira de amarelinha).
Os conceitos matemáticos são
desenvolvidos basicamente em situações com jogos, brincadeiras e resolução de
problemas. O trabalho com a Matemática na Educação Infantil prioriza o processo
de letramento matemático que prevê capitalizar as ideias intuitivas das
crianças presentes nas experiências matemáticas vivenciadas social e
culturalmente, sua linguagem própria e suas necessidades de desenvolvimento
intelectual, a fim de explorar uma grande quantidade de ideias matemáticas
relativas a números e o sistema de numeração decimal; espaço, forma e medidas;
e, noções de combinatória, probabilidade e estatística. Objetiva-se que as
crianças desenvolvam e conservem um prazer e uma curiosidade acerca da
Matemática.
Assim, as propostas de
aprendizagem para infância precisam incorporar contextos do mundo real, as
experiências e a linguagem natural da criança no desenvolvimento das noções
matemáticas, fazendo com que a criança vá além do que parece saber, ou do que é
capaz de experimentar corporalmente, tentando compreender como ela mesma pensa
ou age.
Para Zabalza (1998), o aluno da
escola infantil é um sujeito não setorizável, ele vai desenvolvendo o afetivo,
o social, o motor e o cognitivo como um todo integrado em uma dinâmica intensa.
Dessa forma, entendemos que a
Educação Infantil requer um currículo integrado, pois a criança aprende e se
desenvolve, sintetizando unidades em totalidades organizadas. Sua percepção de
mundo se dá de forma holística, ou seja, segundo uma visão de homem como um
todo indivisível, não atribuindo significados ao conhecimento isolado (LOPES,
2003).
Partindo desses pressupostos e
concepções, consideramos que as temáticas: números e operações; grandezas e
medidas; análise de dados e probabilidade; e, espaço e formas, podem ser
abordadas na Educação Infantil desde que respeitadas as especificidades da
infância, o contexto sociocultural e o desenvolvimento das crianças. Certamente
compreendemos que tais conteúdos sejam abordados de forma integrada aos
projetos desenvolvidos na educação da infância, priorizando situações nas quais
as crianças estejam envolvidas em cenários de investigação: resolução de
problemas, jogos e brincadeiras.
O desenvolvimento da temática
números e operações visa a construção do conceito de número e as ideias das
operações matemáticas abordadas no contexto infantil, sem se preocupar com a
sistematização de algoritmos. A criança precisa perceber o número através das
relações de significado que ele assume em situações distintas, ou seja, é
importante ao aluno adquirir a percepção da linguagem numérica em conexão com a
leitura da realidade.
A temática grandezas e medidas
promove o desenvolvimento de habilidades para trabalhar com grandezas e medidas
em situações escolares e de vida diária, partindo de medidas não padronizadas,
para que as crianças possam perceber a necessidade real das medidas
padronizadas.
O estudo da combinatória, da
probabilidade e da estatística que compõe a terceira temática denominada
análise de dados e probabilidade, possibilita às crianças, a observação de
situações de incerteza, o desenvolvimento do raciocínio combinatório que lhes
permite levantar e organizar possibilidades e a aquisição de habilidades para
organizar e representar informações.
A abordagem da temática, espaço e
formas, possibilita as crianças adquirir adequação espacial, expressar
sensibilidade através das relações entre a natureza e a geometria, bem como,
desenvolver o senso estético.
Entendemos que o currículo da
Educação Infantil, bem como as atividades elaboradas para serem desenvolvidas
com as crianças, por princípio são interdisciplinares. Não é possível tratar da
matemática presente no jogo e na brincadeira, sem articular com o desenvolvimento
corporal, motor e com a língua materna. O trabalho com o tratamento da
informação (construção de gráficos e tabelas) pode estar articulado a todas as
áreas de conhecimento (por exemplo, em Ciências se for produzido uma tabela
sobre tipos de alimentação, em Geografia, um gráfico com o número de dias que
fez sol e dias que fez chuva, em Educação Física, na construção de equipes,
agrupamentos de alunos e exploração do espaço da escola, etc.).
Dessa forma, entende-se que o
desenvolvimento de projetos interdisciplinares da Educação são possíveis e
desejáveis e que a Matemática pode estar presente nas várias temáticas que
compõem o projeto, contribuindo para uma leitura matemática de situações
cotidianas e práticas.
Defendemos que a aquisição do
conhecimento matemático pela criança na Educação Infantil está atrelada a um
modo de pensar e de se expressar matematicamente frente às situações-problema
vivenciadas e experienciadas, procurando superar uma concepção de Educação
Infantil como preparatória para a aprendizagem matemática no Ensino
Fundamental. Acreditamos na ideia de um letramento matemático que possibilite
uma leitura também matemática de mundo, ou seja, que a criança esteja
capacitada a analisar uma mesma situação-problema a partir de um ponto de vista
afetivo, social, motor, científico, lingüístico e porque não dizer, matemático.
Assim, uma proposta curricular
para Educação Infantil precisa possibilitar a vivência de experiências
artísticas, musicais, lógico-científicas, pictóricas..., espaços diversificados
nos contextos originários das crianças, nos quais elas desenvolvam várias
habilidades que lhes favoreçam uma formação equilibrada e plena.
A ação do educador matemático na infância
A sociedade contemporânea
apresenta um movimento contínuo, rápido e complexo, exigindo da escola uma
reflexão constante sobre as ações educativas que promove. Isso remete o
professor ao desafio de elaborar atividades para as suas aulas, as quais possam
despertar o das crianças. O professor de Educação Infantil precisará inserir-se
em um processo de elaboração de seu conhecimento profissional que será centrado
na reflexão de sua prática, o qual lhe direcionará a um repensar sobre a
elaboração de atividades de ensino, avaliando os êxitos e obstáculos promovidos
por elas, considerando as influências do ambiente cultural no qual elas são
realizadas.
Para Bujes (2001) a experiência
que a criança vive na escola infantil é muito mais completa e complexa. Nela a
criança desenvolve modos de pensar, mas também se torna um ser que sente de uma
determinada maneira. O desenvolvimento da sensibilidade, o fato de reagir de
uma certa maneira frente aos outros e às experiências vividas, o gosto por
determinadas manifestações culturais em vez de outras..., não são resultados
que devem ser desprezados, quando pensamos no tempo e nas experiências que a
criança vive ao longo da Educação Infantil.
Essa complexidade explicitada na
experiência da criança precisa ser considerada pelos educadores matemáticos que
atuam nessa faixa etária, respeitando o momento de desenvolvimento no qual o
aluno se encontra, percebendo que o raciocínio lógico e a construção de conceitos
científicos não devem ser foco central de fase de ensino, mas têm de ser
considerados na medida em que há manifestações de curiosidade e desejo de
conhecimento.
Os educadores de infância
precisam reconhecer as competências sóciopsicológicas que as crianças
manifestam, bem como sua fragilidade social, quando expressam dependência do
adulto para cuidados com higiene e saúde - isso requer desses profissionais a
realização de afazeres diversos, que vão incorporar questões físicas,
emocionais e cognitivas.
Neste estudo, apresentamos o
trabalho desenvolvido pela professora Katia Gabriela, descrito em seu relatório
(MOREIRA, 2009). Ela propôs aos alunos do jardim (4-5 anos) o seguinte
problema:
“As três galinhas de seu Zé botam ovos todos os dias.
Tem galinha que bota um ovo só por dia e tem galinha que bota dois. Um dia seu
Zé resolveu fazer um bolo, pois sua filha estava chegando de uma viagem e ela
adorava bolo. Para fazer o bolo ele e precisou de cinco ovos. Quantos ovos ele
encontrou no galinheiro?”
Fonte: GRANDO, R. TORICELLI, L. e NACARATO, A.M. De professora
para professora: conversas sobre IniciAção Matemática. São Carlos: Pedro &
João Editores, 2008.
Após a apresentação ela
disponibilizou folhas de sulfite para as crianças e solicitou que cada um
registrasse: “Quantos ovos ele encontrou?”. “As três galinhas de seu Zé botam
ovos todos os dias. Tem galinha que bota um ovo só por dia e tem galinha que
bota dois. Um dia seu Zé resolveu fazer um bolo, pois sua filha estava chegando
de uma viagem e ela adorava bolo. Para fazer o bolo ele e precisou de cinco
ovos. Quantos ovos ele encontrou no galinheiro?”
Durante a produção do registro,
ela caminhou pela sala a fim de observar as produções dos alunos, porém sem
realizar intervenções. Após algum tempo, os alunos começaram a trazer as suas
produções para que ela pudesse visualizar. Nesse momento ela anotou na folha a
descrição do desenho de acordo com a fala das crianças.
Posteriormente, ela propôs que
fosse realizada a socialização dos registros. Antes do início das
apresentações, ela retomou a situação problema fazendo questionamentos como: “O
que estava acontecendo com o seu Zé? Por quê? etc. Ao perguntar a quantidade de
ovos que as galinhas botavam o Victor falou: “uma galinha bota um, outra dois e
outra um”, e neste momento ela percebeu que foi esta a sua resolução do
problema. Para ele, seu Zé havia encontrado quatro ovos ao chegar no
galinheiro.
Deu-se início, de fato, as apresentações
em que cada aluno apresentou aos colegas a sua produção e a partir das
problematizações da professora fizeram a descrição de seus registros. A
primeira apresentação foi da aluna Yasmin, ela afirmou ter desenhado os ovos
dentro do ninho e então a professora questionou: “Quantos ovos o seu Zé
encontrou no galinheiro?” e a sua resposta foi: “quinze ovos!” neste momento
alguns colegas diziam que a Yasmin estava certa enquanto outros achavam que
não. Então a professora perguntou: “Com quinze ovos daria para o seu Zé fazer o
bolo?” todos concordaram que conseguiria. Então ela continuou: “Será que ele
encontrou quinze ovos?” e o Carlos Eduardo, com um tom de certeza afirmou: “
Não!”, porém quando solicitou uma justificativa ele mudou de ideia e disse: “ Seu
Zé encontrou sim, os quinze ovos!”. Neste momento, a professora acreditou que
tal mudança foi devido ao fato de não saber justificar a sua resposta e então
optou por concordar com a Yasmin. Mas a Mariana explicou fazendo gestos com as
mãos: “Porque uma galinha botava um e outra botava dois” e o Victor conclui: “e
a outra botava um”, então ela afirmou: “Tinha galinha que botava um ovo e tinha
galinha que botava dois!”. Novamente ela perguntou: “Era possível ter 15 ovos
no galinheiro?” e a Sophia respondeu: “Não, porque só tinha três galinhas e uma
botava um, a outra um e a outra três (fazendo gestos com a mão), ai dava só
três ovos!”. Ao final todos chegaram ao um consenso de que seu Zé não podia ter
achado quinze ovos no galinheiro, porque era um valor muito alto.
Já o aluno Suhayb afirmou que seu
Zé havia encontrado cinco ovos, porém ao ser questionado na hora da
socialização ele contou em seu registro três ovos, foi quando a professora
perguntou qual era de fato a sua resposta. Suhayb por sua vez disse: “è verdade
eu tinha esquecido é cinco mesmo!” e então ela questionou aos demais alunos: “
Seu Zé poderia ter encontrado cinco ovos no galinheiro?” e a resposta foi
unânime: “ Não!” e o Victor novamente explicou: “uma galinha bota um, outra
dois e outra um”.
A resolução encontrada por
Alannis foi semelhante à de Suhayb, pois ela também acreditava que seu Zé havia
encontrado cinco ovos no galinheiro, ou seja, ele conseguiria fazer o bolo para
sua filha.
Diante do registro do Kaique, que
trazia a representação de três ovos, os amigos afirmaram que tal quantidade não
era possível, já que também tinha galinha que botava dois e não eram todas que
botavam só um.
Ao iniciar sua apresentação a
aluna Sophia afirmou: “Eu desenhei cinco ovos, que dava para fazer o bolo, mas
ele só encontrou três ovos no galinheiro!”, ou seja, ela explicou que não havia
registrado o que foi solicitado, mas sim um dado presente no problema: a
quantidade de ovos para fazer o bolo!”. E o aluno Victor concordou com a colega
e afirmou: “ Eu acho que tinha três, porque uma galinha botava um e outra
dois!” e então a professora lembrou que tinha mais uma galinha. Mas a Sophia
insistiu: “ O Tia, uma galinha bota um e a outra galinha bota dois ( este
momento ela utiliza os dedos para representar as quantidades) e dá três” e a
professora questiona: “ Mas e a outra galinha” e a resposta foi: “ela não
botou!. Neste momento, a professora tem clareza de que a Sophia acabara de
encontrar uma solução para o problema do seu registro, pois ao identificar que
havia se esquecido de registrar uma galinha ela afirmou que a galinha não havia
botado nenhum ovo, pois desta maneira não precisaria registrá- la e seu
registro estaria completo.
Evidencia-se nessa vivência da
professora junto aos seus alunos que a problematização possibilitou a
reelaboração do pensamento matemático permitindo a eles a atribuição de
significados às quantidades, gerando a construção do conceito de número.
Decorre que o professor necessita
adquirir uma significativa compreensão do modo como as crianças pensam, para
isso consideramos essencial que se ouça o que elas expressam durante o
desenvolvimento das atividades escolares. É necessário também, que esse
educador amplie seu conhecimento matemático adquirindo possibilidades para
estabelecer conexões entre as temáticas matemáticas e as outras áreas de
conhecimento.
Aprendizagem matemática na infância pela resolução de problemas
Não se pode falar em resolução de
problemas em matemática sem nos referirmos a interrelação do pensamento e da
linguagem que segundo Vigotski (1998) é um dos mais complexos problemas da
psicologia. Para o autor,
A imaginação é importante para se
descobrir a solução de problemas, mas não se preocupa com a verificação e a
comprovação que a busca da verdade pressupõe. A necessidade de verificar nosso
pensamento – isto é, a necessidade de atividade lógica – surge mais tarde.
(VIGOTSKI, 1998, p. 16).
Na infância a imaginação aguça a
curiosidade, gera problematizações e provoca a busca por descoberta, esse fato
torna essencial a resolução de problemas nesse momento do desenvolvimento
humano. A resolução de problemas é uma destreza social aprendida nas interações
sociais no contexto das atividades diárias” (VIGOTSKI apud THORTON, 1998, p.
16).
Essa consideração do autor
reforça nossa defesa de uma educação matemática para a infância centrada na
resolução de problemas. Inseridas em cenários para investigação (Skovsmose,
2000) as crianças podem se defrontam com objetos com os quais ela lida para
representar a realidade e ação atribuir forma aos seus processos mentais.
A resolução de problemas como um
meio para ensinar matemática, possibilita um delineamento em direção a uma
proposta de educação matemática relacionada à vivência social do educando.
Parte-se da necessidade de investigar a realidade social do aluno e oferecer
oportunidades a ele de formular problemas a partir de tais situações. A sala de
aula passa a ser um lugar de perguntas, problematizações e formulação de
problemas ao invés de perguntas e respostas prontas, previsíveis. Um trabalho
escolar na perspectiva de resolução de problemas possibilita formar o cidadão
para lidar com a incerteza, com as possibilidades, com a tomada de decisões,
contribuindo para a sua emancipação. E isso tudo pode começar desde muito cedo,
com situações-problema na educação infantil. A questão que se coloca é: como
crianças tão pequenas, cuja maioria não sabe nem ler nem escrever, podem
resolver problemas de matemática? Há uma necessidade de superar a concepção de
que resolver problemas de matemática seja fazer uma conta, a partir de uma
regra (algoritmo).
Ao explorar as relações sociais,
manipular objetos e interagir com as pessoas, as crianças são capazes de
formular ideias, testar essas ideias, e aceitar ou rejeitar o que elas
aprendem. A construção do conhecimento por cometer erros faz parte do processo
natural de resolução de problemas, pois é através da exploração e
experimentação que se analisa hipóteses, e, finalmente, encontra soluções.
Nesse processo as crianças tornam a aprendizagem pessoal e com atribuição de
significados. Na visão piagetiana as crianças só compreendem o que descobrem ou
inventam. É esta constatação, dentro do processo de resolução de problemas que
é o veículo para a aprendizagem das crianças. As crianças são incentivadas a
construir seu próprio conhecimento quando o professor problematiza situações
diversas e insere os alunos em um cenário de investigação marcado pelo tempo,
espaço e materiais manipulativos.
Dessa forma, uma proposta
pedagógica para uma Educação na Infância necessita priorizar as relações
sociais, considerar as vivências da criança, suas necessidades afetivas,
psicológicas e cognitivas, possibilitando-lhe uma compreensão de si mesma como
ser humano e uma leitura do mundo no qual está inserida. Outro aspecto
fundamental a ser considerado é o processo de interação com o outro, pois a
criança, ao trabalhar coletivamente, constrói o sentido da cooperação, da
solidariedade, do senso crítico e da sensibilidade, percebendo-se como um
indivíduo transformador da vida em sociedade.
Problematizar situações simples e
do cotidiano da criança mostra-se uma prática pedagógica interessante, pois
coloca a criança no movimento de pensamento matemático. Assim, situações do
cotidiano como: quantas crianças vieram hoje? Quantas faltaram? Se entrasse um
monstro aqui na sala, o que você faria? Por que você perdeu o jogo? Quantos
pontos precisaria fazer para empatar com seu colega? O que podemos retirar de
uma caixa para que ela feche? Como fazer para entrar ou sair de uma imensa
caixa? Como saber quem ainda tem chance de vencer em um jogo?, etc.
Desta forma, a resolução de problemas
como metodologia de ensino na Educação Infantil pressupõe:
·
Variabilidade na forma de propor os problemas (oralmente, a partir de histórias
infantis, dramatizando-as, por meio de imagens, a partir de jogos e
brincadeiras, a partir de situações do cotidiano e/ou vivenciadas
corporalmente);
·
Elaboração, (re)formulação de problemas abertos (problemas que admitem mais do
que uma solução, problemas que faltam dados ou que são impossíveis de serem
resolvidos) com a possibilidade de atribuição de diferentes sentidos e
significados para o contexto do problema;
·
O pensamento genuinamente matemático (levantamento de hipóteses, argumentações,
validações, registros – escrita e re-escrita). Essas ideias e considerações
podem nortear a elaboração de situações didáticas para a aprendizagem da
matemática nas aulas da Educação Infantil.
Considerações Finais
Um currículo que considera uma
variedade de níveis de desenvolvimento, bem como diferenças individuais das
crianças, prepara as crianças para o cenário de investigação, problematização,
em uma diversidade de situações da cultura infantil.
O trabalho com a resolução de
problemas facilita a aprendizagem cooperativa e promove diversas ideias,
possibilitando às crianças um processo constante de comunicação e apropriação
de distintos procedimentos matemáticos. O que propicia o desenvolvimento
cognitivo e afetivo da criança a partir de experiências significativas e
compartilhadas é a possibilidade de aproximar as crianças do conhecimento
científico, sem desprezar suas formas de aprendizagem marcadas pela exploração,
vivência, manipulação, jogos e brincadeiras.
Percebe-se pelo trabalho desenvolvido
pela professora Katia Gabriela que, através do trabalho em grupo, os alunos se
tornaram capazes de participar e comunicar, atendendo às necessidades
cognitivas e sociais das crianças. Cada criança, em níveis individuais e de
formas individuais, foi bem-sucedida dentro da experiência do grupo,
evidenciando que a resolução de problemas capacita as crianças na arte de
levantar hipótese, argumentar e produzir conclusões, mesmo que parciais e que
são colocadas à prova no momento da socialização.
A resolução de problemas é uma
habilidade que pode ser aprendida e necessita ser praticada. Isso é viabilizado
por uma prática pedagógica que favorece uma aprendizagem que equaciona a
cultura infantil, o tempo e espaço formativo em um cenário de investigação.
Além disso, ao avaliar o processo de resolução de problemas, as crianças
avaliam suas escolhas e erros, aprendendo a serem avaliadoras de sua produção e
da produção do outro.
O processo de resolução de
problemas - fazer escolhas e aprender com eles - é promovido pelo professor que
ao observar, ouvir e perguntar, provoca com perguntas do tipo: "O que
aconteceria se ...?" e "De que outras formas você pode pensar em
...?"
O processo investigativo permite
que a criança, em um mundo cada vez mais complexo e diverso, seja um
participante ativo e capaz de se adequar e promover transformações.
Referências
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para que te quero? IN: Craidy,C.; Kaercher,G. (orgs.) Educação Infantil: pra
que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.
LOPES, C. E. O conhecimento
profissional dos professores e suas relações com estatística e probabilidade na
educação infantil. 290 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação.
Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2003.
MOREIRA. K. G. Registros
produzidos por crianças pequenas em situações de resolução de problemas não
convencionais: possibilidades de investigação sobre o pensamento matemático das
crianças. Relatório de Pesquisa de Iniciação Científica. Bolsista
PROBAIC/Universidade São Francisco, Itatiba, SP, 2009.
MOSS, P. Reconceitualizando a
infância: crianças, instituições e profissionais. In: MACHADO, M. L. (Org.)
Encontros e desencontros em educação infantil. São Paulo: Cortez, 2002.
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OLIVEIRA, Z. Educação Infantil:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
SKOVSMOSE, O. Cenários de
investigação. Bolema – Boletim de Educação Matemática, Rio Claro (SP), n. 14,
p. 66-91, 2000.
THORNTON, Stephanie. La
resolución infantil de problemas. Madrid: Morata, 1998.
VIGOTSKI, L. S. Pensamento e
Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ZABALZA, M. A. Qualidade em
Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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